O MAXIXE: primeiro ritmo
brasileiro a fazer sucesso no exterior
Por
Roberto
Carelli
Antes
do samba, da bossa-nova, da lambada
e de Michel Teló (sim, ele fez um
sucesso momentâneo na Europa com
"Ai, se te pego"), um ritmo
genuinamente brasileiro que fez
sucesso dentro e fora do país foi o
Maxixe. Também chamado na época de
"tango brasileiro", entrou na moda
na capital do país (na época, o Rio
de Janeiro) entre o fim do século
XIX e o início do século XX.
Podemos dizer que o maxixe é um
descendente direto do lundu (ritmo
afro-brasileiro ancestral do samba),
amestiçado com o som da polca
européia e da habanera espanhola.
Nomes ilustres que escreveram
maxixes famosos são Chiquinha
Gonzaga e Ernesto Nazareth.
O mais interessante é que o maxixe
não se restringiu ao Rio de Janeiro.
Na verdade foi o primeiro ritmo
brasileiro "tipo exportação": foi
tocado e dançado em Portugal, França
e outros países europeus. Nos
Estados Unidos, por volta de 1910 a
1915, chegou a virar uma espécie de
dança exótica da moda, chamando a
atenção pela sensualidade no modo
que os casais o dançavam, sem
dúvida uma novidade em uma época em
que mulher e homem trocando afetos
em público era considerado uma
imoralidade. Beijar na boca em
público então, nem se fala, era caso
de polícia mesmo.
Exatamente por isso, o maxixe chamou
a atenção lá fora. Os europeus e
americanos nunca tinham visto uma
dança tão provocante, onde homem e
mulher dançam colados, e mexendo os
quadris juntos. O maxixe virou moda
nos Estados Unidos mais ou menos na
mesma época em que o tango - outra
dança escandalosamente sensual para
a época - foi descoberto pelos
americanos, na época ávidos por
novidades exóticas de países
distantes.
De acordo com a descrição de
um jornalista carioca em 1905, no
maxixe o casal dançava com os pés
arrastando-se graciosamente, e os
quadris ondulando, encostando suas
testas e brevemente entrelaçando
seus membros. E eles ficavam assim,
com os corpos juntos durante todo o
baile. "Rosto com rosto, corpo com
corpo..."
Essa sensualidade picaresca do
maxixe chamou tanto a atenção nos
Estados Unidos que houve inclusive
dançarinos americanos ensinando o
ritmo. A foto à direita mostra o
casal de dançarinos americanos Irene
e Vernon Castle, famosos nos Estados
Unidos no inicio do século XX,
ensinando passos do maxixe. Claro
que adaptado para o público
americano, que com aquela pudícia
vitoriana tipica da cultura
anglo-saxônica da época, não estava
preparado para ver um homem e uma
mulher dançando "quadril com
quadril", como os "desinibidos"
cariocas faziam. Assim, em vez de
encostarem ou remexerem os quadris,
os americanos ondulavam o corpo
sincronizadamente. Em vez de
encostarem a testa um no outro,
permaneciam com as mãos entrelaçadas
durante a dança.
Os Castles lançaram um livro sobre
dança, e nele descreveram o maxixe
como “uma exótica expressão de
felicidade e espontaneidade
juvenil”. Abaixo, você pode assistir
a um video onde os Castles aparecem
dançando maxixe em um filme mudo de
1915. Lembrando que na época, os
filmes mudos eram acompanhados por
música ao vivo (geralmente um
pianista), vale observar que a
música que toca no video, que foi
acrescentada depois para sonorizar o
filme, é o maxixe "Dengoso" de
Ernesto Nazareth, em uma versão
orquestral gravada na época nos EUA.
Abaixo, voce pode ouvir uma gravação
completa de "Dengoso", gravado
pela Victor Military Band em Nova
Jersey, EUA, em 19 de Janeiro de
1914.
Uma prova de que o maxixe não foi
esquecido nos EUA é o video abaixo,
com uma apresentação do grupo
norte-americano The Ragtime
Skedaddlers tocando "Dengoso" no
Festival of the Mandolins na cidade
de San Francisco em 2012.
É interessante ressaltar que nos EUA
existem músicos americanos que
apreciam não só a bossa-nova ou o
samba, mas também o maxixe, e
principalmente o chorinho, e
regularmente se apresentam tocando
estes ritmos. Posso citar o
violonista
Ron Galen,
cujo trabalho conheço bem, como um
excelente exemplo.
Quanto à Ernesto Nazareth, é
importante citar que as dezenas de
maxixes/tangos brasileiros que ele
compôs entraram tanto no repertório
da música popular como no da
erudita. Isso se deve ao fato de que
Nazareth possuia um estilo de
composição muito refinado, dir-se-ia
mesmo chopiniano, ultrapassando a
fronteira da música popular. Por
isso, até hoje regularmente
tocado por pianistas em salas de
concerto no Brasil e no exterior. Só
para se ter uma idéia de como
Nazareth continua firme no
repertório erudito, em 2013,
conforme notícia publicada no jornal
O Estado de
São Paulo, ele foi tocado
em concertos na Alemanha, EUA,
Indonésia, Japão, Noruega e
Portugal.
Para saber mais sobre Ernesto
Nazareth, o portal
Ernesto
Nazareth 150 anos é uma
fonte completa de informações
biográficas, fotos e partituras do
compositor.
E para fecharmos este artigo com
chave de ouro, vamos viajar no tempo
e voltar para o Rio de Janeiro de
1907, e ouvir a gravação de "Yara",
um schottish (xótis) com sabor de
Rio Antigo, gravado na Casa Edison,
a empresa pioneira que iniciou as
gravações sonoras no país. "Yara"
foi composto por Anacleto de
Medeiros, um dos mais importantes
compositores populares do Brasil no
inicio do século XX, e aqui é
executado pela Banda da Casa Edison
(disco Odeon 108.111).
Texto: Roberto Carelli
(proibida a reprodução sem citar a
fonte)